Primeiro era uma gentileza. Um ato cortês que por vezes enrubescia a face de uma senhora mais tímida ao cavalheiro ceder seu assento no ônibus. Depois vieram os embriões do mal vindouro: as cadeiras cativas para idosos, gestantes e pessoas com incapacidades temporárias ou permanentes nos coletivos. E foi assim que um sistema de segmentação foi implementado na sociedade brasileira.
O problema é que éramos melhores quando não existia a obrigação de ceder aquele espaço. Hoje temos dois principais tipos nos coletivos: os sociopatas, que se sentam nos lugares claramente indicados como preferenciais mesmo se uma gestante está de pé ao seu lado; e os ressentidos, que não cedem lugar de forma alguma, mesmo se ao seu lado estiver uma idosa de muletas segurando um bebê, uma vez que já existem lugares previamente cedidos pela lei.
Embora os dois primeiros parágrafos possam parecer um pouco extremistas, insensíveis ou mal educados, na verdade são uma manifestação mista de desânimo e resignação. Desânimo pois o sistema de bolsas, cotas, reservas e etc. não necessariamente resolve a questão a que se propõe e é usualmente baseado em preconceitos. Resignação por ser da minoria sem direito, melhor dizendo, com o direito de ter de sustentar o sistema sem me beneficiar dele.
O preconceito envolvido no sistema de cotas em universidade ou serviço público é evidenciado por assumirmos de cara limpa que uma parcela da população não é/será capaz de concorrer de igual para igual com a parcela antes vista como privilegiada. Então criamos um atalho no percurso da corrida que só será usado pelos competidores que forem negros, índios ou azuis - enfim, qualquer segmento que se queira beneficiar - porque se não os pobrezinhos não conseguirão competir em igualdade.
Coitadinhos, são tão incapazes de viver por sua conta que eu, vamos chamar de aristocracia brasileira, muito bondosa, crio mecanismos para ajudá-los. Ajudá-los? Ela legisla em causa própria. Isso me lembra a justificativa de que os negros da África poderiam ser escravizados por não possuírem alma no início da expansão marítima. Ao fazer o bolsa-gás, bolsa-família, bolsa-cultura, cotas para negros ou alunos provenientes da rede pública, a aristocracia vigente consegue aumentar seu curral eleitoral e se perpetuar no poder. Ou será coincidência a mudança de padrão de voto da direita conservadora para a esquerda mão aberta no norte e nordeste do país, maiores beneficiados pelos programas assistenciais estatais, agora em peso com Lula, Dilma e o PT, mas que antes nos presentearam apenas com Collor, Sarney, Calheiros... e agora além de manter tais pérolas no senado ainda dão suporte a nossa sinistra ditadura velada de governo do povo.
Já a minha resignação tem a ver com o fato de, enquanto jovem, branco, proveniente da classe média e com bom nível educacional, ter de sustentar todo o sistema de privilégios a várias fatias da sociedade com os cerca de 37% de impostos que o governo retira do meu trabalho sem ter direito a nenhuma contrapartida. Isso ocorre desde a minha infância, pois meus pais - que sempre pagaram impostos - tiveram de por a mão no bolso novamente para que eu estudasse em uma boa escola, tivesse uma assistência médica adequada quando necessário, dentre outras despesas em duplicidade com as quais arcaram por ineficiência do estado em prover o que propunha ao receber o dinheiro deles.
Hoje percebo que vou trilhar caminho semelhante ao dos meus pais, arcando com os impostos e com despesas particulares para cobrir as carências nos serviços que o governo se diz obrigado a prover, cobra alto por eles e simplesmente não cumpre com suas obrigações. A diferença é que agora sustento também vários pequenos segmentos da sociedade que o governo elegeu como interessantes para angariar seus votos também, não somente meu filho. E sem direito a nenhuma contra partida, perdendo ainda o direito de concorrer de forma igual a cargos públicos ou vagas em universidades.
Enfim, venho por meio deste texto solicitar a criação de uma vaga especial em uma cota do governo. Uma bolsa, quem sabe uma pochete. Ao menos um assento no ônibus. Qualquer benefício que sirva como a cenoura na frente do burro que puxa a carroça pra frente.