quinta-feira, 17 de maio de 2012

Cenários # 2

Era a terceira vez na semana que Carlos acordava na sala de sua casa ao lado de uma poça de vômito próximo ao meio dia. Era uma quinta-feira mas ele havia sido demitido há 15 dias então não se preocupou. Desde que sua esposa foi embora - já não aguentava os desaforos ditos durante a embriaguez, as visitas ao pronto-socorro devido às quedas, a falta de dinheiro e as dívidas pioradas pela bebida - ele se volatara com maior intensidade ao alcoolismo. Ajudava a dormir, a não pensar nos problemas e nos filhos que não via desde então. Mas agora, mesmo ainda sobre o efeito final da embriaguez a saudade dos meninos apertou. Pensou em procurar alguma forma de ajuda, terapia, AA, agarrar-se a alguma religião, fazer alguma coisa para reconquistar aos poucos o que perdeu. Pegou o telefone e ligou para a casa da sogra aonde a esposa estava com as crianças. Não conseguiu falar com elas e ouviu poucas e boas. Aquilo pareceu certo, não era a primeira vez que prometia tomar jeito. Pensou em ir até a igreja da esquina conversar com o padre, talvez ele conseguisse um emprego. Levantou-se, ainda cambaleante, a procura de algo para beber antes de sair...


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Andrea retorna da visita ao CTI onde seu filho está internado após um acidente com sua motocicleta. Após chegar em casa recebe uma ligação. Atende o telefone e é sua mãe querendo notícias do neto, mas principalmente de sua filha, pois sabe da situação crítica do acidentado#Ele continua do mesmo jeito mãe. O médico disse que seu estado é estável#Não sei filha, estável nesses casos não é bom#Mas ele está assim desde o acidente, tirando a infecção#Então, já tem um mês e não houve melhora, ele não acorda...

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Era véspera de natal e  Paulinho aguardava ansioso pela visita do Papai Noel. Estava agitado e não conseguia dormir, rolando de um lado para o outro na cama. E cada mexida fazia barulho no saco plástico que seus pais usaram para cobrir o colchão tantas vezes usado como banheiro. Com isso seu irmão não conseguia dormir e o xingou#Você pode ficar quieto e dormir!?!?!#Não consigo Dudu, quero ver logo meu presente#Mas com você acordado ele não vem#Eu sei, mas eu quero que chegue logo de manhã#Fica quieto logo menino, a mamãe já comprou seu carrinho de bombeiro!#Mas não é da mamãe, é do Papai Noel...

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As vezes preferimos a ilusão ao desespero.

domingo, 13 de maio de 2012

Diário da balança #1: = em 115

Ok, eu admito: a primeira batalha foi da balança. Tentei implementar algumas mudanças em meus hábitos de vida e obtive alguns resultados interessantes. Como quando tive uma rápida alucinação durante um pequeno episódio de privação de oxigênio cerebral no dia em que deixei o carro na garagem e subi a pé a rua de casa em direção a padaria para comprar quindins (o que vale é a boa intenção). Enquanto meus neurônios faziam entre si uma disputa de MMA pelas escassas moléculas de O2 fui acionado pela Promotoria da Infância e Juventude devido a denúnicia de Mini Bis₢ abandonados, bem-casados me culpavam pelo seu divórcio, sofri olhares condenadores dos olhos de sogra enquanto suflês jogavam papo de anjo em mim. Foi uma pressão muito grande, gerou uma ansiedade difícil de controlar. Tentei meditação, 12 passos - tive nova privação de oxigênio do sexto para o sétimo passo - tomar água gelada, banho gelado, cogitei começar a fumar maconha, mas no final encontrei o perfeito ansiolítico: strogonoff de frango (mais uma vez o que vale é a boa intenção, poderia ter sido de carne vermelha) acompanhado por 2 litros de Coca Cola₢ e uma barra de Tortuguitas₢ de chocolate branco recheadas com brigadeiro. Planejo uma ofensiva mais eficaz para esta semana. 
Alexandre, o graaaaaaaande.

domingo, 6 de maio de 2012

A presença

   Nestor estava acostumado a sempre dormir acompanhado. Quando pequeno dividia o quarto com seu irmão e após a adolescência estava sempre com alguma namorada ao ir dormir. Eventualmente acabou se casando com uma delas, compraram uma casa nova e, assim, continuava a dormir acompanhado. Até o dia em que sua esposa recebeu uma proposta de promoção desde que trocasse para o turno noturno no trabalho. 
   Mesmo com a resistência de Nestor ela acabou aceitando a mudança e as primeiras noites foram diferentes mas sem maiores problemas. O problema mesmo era no final da tarde quando ele, que havia levantado antes de sua esposa voltar, chegava do trabalho e ela estava se aprontando para ir para o serviço. Magoados, ele com o que considerava um abandono por parte da esposa, ela por considerar uma intransigência a atitude do esposo tentando impedi-la de prosseguir em sua carreira, quase não se falaram por uma semana. 
   Até que ele resolveu surpreendê-la voltando mais cedo para casa com uma garrafa de vinho e flores para fazerem as pazes. Ao chegar em casa ele viu em cima da mesa um bilhete que dizia "Houve um problema no trabalho e tive de ir antes de você chegar". Desapontado abriu a garrafa de vinho e a tomou sozinho. Foi deitar um pouco cambaleante, não estava acostumado com bebidas. Dormiu profundamente até cerca das 3 horas da manhã, quando acordou com a sensação de haver alguém o observando. Olhou pelos cômodos e não tinha nada de diferente. Então voltou a deitar-se.
   No dia seguinte, ao chegar do trabalho,  encontou o mesmo bilhete em cima da mesa. Furioso saiu para comprar uma garrafa de vinho, esperando dormir bem como na noite anterior havia dormido. Enquanto tomava a bebida, já de volta a sua casa, pegou o bilhete e mergulhou apenas uma ponta na taça com vinho, que por capilaridade, tomou conta do papel tornando-o rubro e dissolvendo a tinta de caneta que continha a mensagem escrita. Ao retirar o papel de dentro da taça achou que a tinta preta agora tinha a forma de uma lágrima. Assumiu que estava bêbado e foi deitar. 
   Novamente dormiu profundamente até as 3 horas da manhã quando acordou com a mesma sensação da noite anterior. Um pouco mais assustado desta vez, foi pé ante pé vasculhando os cômodos da casa escura. Sem encontrar nada de anormal relaxou um pouco e foi de volta ao quarto. Mas ao se aproximar da cama se assustou com um movimento na parede oposta ao lado aonde dormia. O coração acelerado demorou a bater no ritmo normal mesmo depois de ele perceber que havia se assustado com a sombra da sua cortina que a luz do poste projeta na parede. Deitou-se e dormiu por mais alguns minutos até que sentiu a vívida sensação de que alguém deitava em suas costas como se aninhando a ele. Em um movimento rápido se virou mas novamente nada viu. Não conseguiu dormir.
   No terceiro dia Nestor não conseguia se concentrar no trabalho devido aos acontecimentos da noite anterior e pela apreensão gerada por não encontrar sua esposa já há dois dias. Pediu licença ao chefe alegando um mal súbito e foi a casa. Para sua surpresa havia o mesmo bilhete no exato local onde o encontrara por duas vezes. Só que agora a mesa estava posta com vinho servido em duas taças. Bebeu todo o vinho deixando apenas uma das taças intocada. Com o passar das horas a noite mal dormida e o vinho o colocaram para dormir ali mesmo no chão da sala. Quando acordou era quase meia noite. Se levantou para ir deitar-se na cama quando viu as duas taças vazias na mesa.
   Acordou novamente as 3 horas da madrugada sentindo um corpo deitar-se ao seu lado. Abriu os olhos mas não se virou. Aguardou alguns segundos imóvel, provavelmente mais por não conseguir se mover do que por opção. Juntou suas forças e se virou. Viu apenas o bilhete embebido em vinho no travesseiro da esposa. Confuso voltou-se para o lado que estava anteriormente e viu sua esposa deitada de frente para ele. A pele pálida e fria parecia não ter expressão até que um sorriso malicioso surgiu e um grito lancinante foi ouvido na vizinhança.
   Alguns anos se passaram desde o desaparecimento do casal e algumas pessoas dizem por vezes sentir que existe alguém a observá-las enquanto dormem sozinhas.

sábado, 5 de maio de 2012

Diário da balança - o balanço diário da guerra contra o peso

Sou como algumas pessoas dizem, um rapaz de "ossos largos", "forte", "fofo", e já ouvi até "roxo" - sem referências a ex-presidentes e suas regiões anatômicas ditas violáceas. Meu nome é Alexandre, de onde os mais perspicazes, talvez não mais perspicazes e sim mais sádicos, já puderam adivinhar qual era meu apelido na adolescência - Alexandre, o grande. Além é claro dos mais comuns: free Willy, leitão, Faustão, Dino, orca-baleia-porca e outros nomes carinhosos. Desde pequeno, digo, novo ou criança, meu arquirrival e eu já duelávamos. Eram batalhas que normalmente ocorriam em terrenos neutros e sem espectadores, como na balança do banheiro. Mas embora eu tenha prolongado a guerra até os dias de hoje, nunca estive próximo de vencê-la. Até agora.
Alexandre, o graaaaaaaande.

A opressão do self

Espero que a Karina não tenha esquecido seu lanchinho Foi preparado com amor e carinho Nesse cotidiano cada vez mais mesquinho É preciso um ...