sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Cenas da vida - fast-food

   - Deixou a alface acabar de novo Wesley!
   - Você que falou que ia pega lá dentro!
   - Viu a discussão dos dois na nossa frente amor?
   - Um exemplo clássico da deterioração das relações humanas interpessoais, típica dos que não receberam a quantidade ideal de ácidos graxos poliinsaturados dos 0 aos 2 anos de vida, impossibilitando o desenvolvimento cognitivo em seu pleno potencial.
   - Trocando em miúdos: falta de educação mesmo.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Sinal dos tempos

Há alguns anos nos diziam para ler o manual antes de usar um aparelho. Agora pedem quase por favor para ao menos olharmos a sessão início no manual. Daqui a pouco as empresas vão ter que deixar um depoimento com as instruções no mural do consumidor no Facebook. Ou enviar por Whatsapp. 

domingo, 19 de janeiro de 2014

Sobre doenças e peraltice

A mãe de Adolfinho estava muito preocupada com o filho. Achava que ele estava doente. Desde a manhã o menino estava com a urina azul. Não queixou de dor, não ficou mais abatido e achou atraente a ideia de faltar a aula. Ela queria ver de perto se ele iria continuar urinando azul e se ficaria mais adoentado que pela manhã. Entretanto embora mantivesse sua urina azul celeste o garoto não dava outros sinais de estar doente. Controlando seus instintos ela preferiu observar mais um pouco antes de correr para o médico. Mas nem soterrada em Maracujina₢ ela resistiria quando na próxima manhã a urina do seu filho se manteve azul da cor do mar. No consultório foram 40 minutos de um entrevista minuciosa e sem maiores detalhes de como a criança estava com a urina azul e mais 10 minutos de um exame físico que só mostrou alteração nas pequenas gotas azuis na cueca do Batman₢. Como estava bem o médico acalmou a mãe e decidiu observar por mais alguns dias. Ao fechar a porta do consultório notou que suas violetas estavam sem flores e com marcas de dentes nas folhas.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Casa velha, em ruínas

Cópia do manuscrito original
Da distância que estávamos, só era possível distinguir dentre o verde pedaços soltos de telhas já amarelas que pareciam flutuar sobre a vegetação que cercara a casa. Com dificuldade tentamos nos aproximar mais alguns metros, mas as plantas daninhas que ali moravam pareciam ter vida própria e uma vontade de aprisionar com seus galhos e folhas tudo que se aproximasse delas. Tentamos a foice. E a luta foi lenta e árdua, o verde resistindo aos golpes que cortavam sua vida, mas conseguimos. Não havia mais porta: apenas uma placa de madeira inclinada na parede onde estava telhado o nome daquele engenho. Quase não havia parede, só tijolos que ainda sobreviviam mas que, como o resto, cedo virariam pó. A escuridão nos impedia de continuar. Tivemos de quebrar as telhas que ainda estavam penduradas no alto, para que fosse possível a entrada da luz do sol que não brilharia por mais tempo. No chão de madeira as ervas já começavam a surgir. Não havia móveis ou qualquer objeto que indicasse que havido gente morando naquela casa no passado. Nem animais. Só o verde, intruso e vitorioso. Em um dos quartos encontramos livros jogados no chão, uma cadeira, uma mesa e um copo de vidro quebrado. E também um retrato torto, pendurado na parede torta, cheirando a mofo e a pó, a única indicação do passado naquela casa. O resto era ruínas que, por contradição, não lembravam o passado e sim a decadência atual. Começou a escurecer e tivemos de voltar. E o verde, silencioso, seguiu em sua marcha lenta, para cima e para os lados, até fazer o velho engenho morto submergir de vez. 
"Renato Russo"

domingo, 5 de janeiro de 2014

Classificados

Vende-se caixão semi-novo, usado por apenas 4 horas no velório antes da cremação. Tratar com o dono.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Paralelo

Acidente automobilístico, vítima fatal na cena, condutor vítima de traumas múltiplos com fratura de fêmur, pelve e zigomático esquerdo, tatuagem traumática em andar superior do abdome, glasgow 13 ao primeiro atendimento.
Estava tudo bem mas caí em um buraco na estrada. Olho em volta e vejo minha namorada que não me responde. Tento tocá-la mas uma intensa dor na barriga não me deixa mover. Não sei quanto tempo depois chegou alguém me perguntando coisas em uma velocidade muito rápida, não conseguia responder a tudo.
Taquicardia, hipotensão, perfusão inadequada, iniciada infusão de cristalóides. Realizada imobilização em prancha rígida. Feito contato com o HPS para transferir o paciente.
Minha cabeça está leve e sinto a todo momento que estou quase desmaiando. Não consigo mexer mas ao menos dói menos o corpo e a barriga. Alguém falou alguma coisa sobre um hospital.
A admissão manteve quadro hemodinâmico estabilizado após infusão de 2000ml de cristalóides, FAST com liquido livre no abdome, TC de abdome com lesão esplênica grau III e hepática grau IV, TCC com fratura temporal e HSAT leve. Optado por conduta expectante, infusão de concentrado de hemácias, monitorizado com PiA e sonda vesical de demora, aguarda vaga no CTI.
Não sei onde estou, fico tonto olhando as lâmpadas passando na minha frente. Quando finalmente pararam ouvia ao meu lado gemidos e gritos. Conversaram comigo mas não consegui entender bem. Passaram um trem na minha barriga e apertaram, me colocaram em um tubo sufocante e depois me espetaram várias vezes e enfiaram uma borracha ardida em mim. Tento conversar mas ninguém me responde. 
Após admissão no CTI os índices hematimétricos seguem em queda, com necessidade de nova hemotransfusão, infusão de volume e inicio de noradrenalina. Solicitada reavaliação da cirurgia que mantém conduta expectante. Evolui com rebaixamento do sensório sendo realizada intubação orotraqueal em sequência rápida. A despeito da reposição volêmica ocorre acidose metabólica láctica e disfunção de múltiplos órgãos.
Cada vez a sensação de desmaio fica maior, minha mente parece um borrão, não penso direito, a respiração fica mais rápida e pesada. De repente me deitam e vejo apenas os olhos azuis que me olham de cima dentro dos meus olhos. Devagar aquele azul me envolve e me leva.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Desejar ser

"O maior apetite do homem é
desejar ser. Se os olhos vêem
com amor o que não é, tem ser."
                    Padre Antônio Vieira

A opressão do self

Espero que a Karina não tenha esquecido seu lanchinho Foi preparado com amor e carinho Nesse cotidiano cada vez mais mesquinho É preciso um ...