quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A vida tem várias versões

Uma lembrança nunca reproduz de forma exata o que aconteceu. Existe o evento do qual se recorda e, no meio, a maneira como a pessoa que lembra vivenciou aquela experiência e suas interpretações, além dos vazios formados pelo tempo que vão sendo preenchidos pelas novas vivências, interpretações e sentimentos que temos ao relembrarmos daquela memória em fases diferentes da vida.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Ninguém morre às 4:17?

É mais cômodo ver a vida como uma série de variáveis dicotômicas. Durante a infância ela nos é apresentada desta forma mais concreta. Sim ou não. Mocinho ou bandido. Preto ou branco. Direita ou esquerda. Mesmo em variáveis categóricas há sempre uma distinção muito evidente entre as opções. Pode ser sangue A ou B ou AB ou O. Pode ser branco ou pardo ou negro...

A continuidade da vida assusta por nos apresentar situações controversas e complexas, muito mais difíceis de julgar, opinar ou decidir.

Bem vindo a vida adulta.

domingo, 30 de novembro de 2014

Cenas da vida - corredor do supermercado

     - ...mas acabou que eu precisei estudar e a gente foi reduzindo o tempo de ensaios até que a banda acabou. Depois eu fui aos poucos parando de tocar e já se vão cinco anos que não pego o violão. Não sei, faz falta mas eu não consigo. Enfim, comecei a pintar, fiz um quadro baseado num sonho que tive e outro que dei pro vizinho, agora não estou pintando mais, sabe como é, falta de tempo. Mas vinha escrevendo regularmente no blog e depois nessa atribulação toda acabei parando, mas tenho vários textos que quero publicar, falta só sentar e fazer e...porque estou falando isso mesmo?
     - Eu disse "como vai?"

sábado, 27 de setembro de 2014

Diário da balança # 12: 114 (+1)

Fui pesar e quebrei minha balança do banheiro. Tive de sair e procurar alternativas...
 Alexandre, o graaaaaaaaande.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Sacolão



   Osvaldo tinha 42 anos e havia acabado de se separar da esposa. Nunca antes precisou cuidar de afazeres de casa. Primeiro a mãe, depois a esposa se encarregaram disso. Funcionário de um banco, zagueiro firme nas peladas e possuidor de opiniões firmes sobre financiamento estatal a ONG´s, agora era apenas um homem de meia idade perdido no corredor de frutas do supermercado confuso com duas laranjas na mão sem saber o que fazer depois. Foi quando Helena ficou com pena dele e veio em seu socorro.

   - Precisa de ajuda?

   Ainda um tanto perplexo ele demorou um pouco para responder. Em parte por se assustar com a beleza de Helena. Mas também por ainda estar intrigado com o mistério em suas mãos. 

   - Como eu sei se a laranja está boa?
   - Se a casca tiver lisa e a laranja firme ela vai dar muito suco.

   Era um acontecimento inédito para Osvaldo. Ser abordado por uma bela mulher dessa maneira. E melhor ainda -  o ajudando em uma atividade doméstica. Ela escolheu as laranjas e se ofereceu a continuarem as compras juntos. 

   - As folhas que estão amareladas, com pequenos furos e pontas queimadas estão ruins. 

   Foram conversando coisas sobre onde nasceram, qual faculdade frequentaram e até descobriram algo em comum: filmes do Woody Allen e peteca. Uma pequena tensão sexual foi crescendo entre eles e se tornou óbvia após a sugestão de Helena na sessão de temperos.

   - Malagueta pra esquentar as coisas - era meu apelido na escola...

   E então não parou mais.

   - Tem que palpar os melões e sentir eles bem firmes.
   - Quando você passa a unha de leve no pêssego sente os pelinhos e o cheiro bom.
   - A cenoura tem que ser firme, com a superfície lisa e as médias são as melhores. 

   Nessa hora ele teve certeza - Helena estava no ponto.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Terceira Convenção de Genebra ou um relato de sobrevivência

Fade in. Interior de uma livraria moderna, dessas que tem cafeteria e tudo. Uma pequena aglomeração de pessoas aguarda pelo início da sessão de autógrafos. É uma noite temática. Livros escritos ou sobre mártires de diferentes épocas. Biografias de Gandhi, Mandela e Tiradentes aguardam autógrafos. Em um dos stands assino na contra capa do livro sobre minha sobrevivência a tortura durante a última consulta odontológica. É quando acordo suado em minha cama no meio da madrugada. Foi apenas um sonho? Para me certificar passo a língua na gengiva que ainda acusa o golpe.

***

Já fazia um tempo que não visitava o dentista. As coisas iam razoavelmente bem então fui postergando. Um discreto desvio em um dente incisivo pode ter seu charme. Ou pelo menos facilitar o reconhecimento após um acidente de avião.  Mas as coisas começaram a mudar quando meus dentes começaram a apresentar muita sensibilidade a alimentos frios e mais consistentes. Depois aos quentes. E, finalmente, a qualquer coisa que colocasse na boca - certa vez acho que até um pouco de saliva fez meu incisivo lateral doer, numa adaptação ao "só dói quando respiro". Resisti bravamente, lidar com a dor nos torna mais tolerantes e estava precisando começar um regime e comer menos mesmo. Até que não teve jeito e a despeito de meus argumentos minha esposa Brígida agendou uma consulta. 

***

 Evitava pensar na futura consulta. Tal como fazemos com a morte. Até que o fatídico dia se apresentou. Talvez quase tão ruim quanto o dia da consulta foi a véspera. Ansioso, observava as janelas e traçava rotas de fuga. Cheguei a subornar a secretária do dentista para que ela tirasse fotos do consultório para estudar melhor o adversário. Não deu certo. A noite Brígida disse que iria comigo pela manhã e discretamente guardou as chaves do meu carro e minha carteira em sua bolsa. Não consegui dormir durante a madrugada e pensei em fugir a pé. Quem sabe conseguir uma carona com um caminhoneiro e deixar o país pelo pantanal. Mas ao menor rangido da cama quando fui levantar ela acordou e disse # Vamos começar a nos aprontar!

***

O consultório não era amedrontador. Devo confessar que o conhecimento prévio por meio das fotos ajudou no autocontrole. Sei que todas aquelas fotos de gente feliz com dentes brancos e retos além dos quadros de uma bucólica natureza na verdade não passam de um disfarce e... a dentista chama meu nome com um sorriso no rosto dizendo # Bom dia Eric. Vamos começar? - como todo bom torturador do DOPS. Me levantei e entrei no consultório. Ouvi a porta batendo e continuei andando. # Onde você vai? (ia em direção a janela - 5 andares nem é tão alto). É melhor sentar aqui na cadeira. Mas ao sentar não me senti nada melhor. Pelo contrário. Era como se estivesse sentado em uma cadeira elétrica, só esperando ligarem a energia. O babador me sufocava. E a tortura começou com um jato de água areiante nos dentes e o troço de sugar pegando na bochecha. Senti que ia vomitar mas resisti. Achei que estava indo até bem quando ela pegou uma pequena britadeira e começou a demolir minhas gengivas. A cada estocada subia um pouco na cadeira até que em certo momento estava pendurado no encosto da cabeça como um papagaio de pirata. Tentava em vão defender minhas gengivas com a língua que ficou em carne viva. O sugador tinha dificuldade de drenar minha saliva engrossada pelo sangue. Tentava resistir e lutar mas a perda de sangue foi me enfraquecendo e quando ela começou a arranhar meus dentes com aquele ganchinho já não oferecia resistência. Estava entregue ao seu sadismo. 

***

Isso agora já é parte do passado. Já houve a anistia e torturados e torturadores convivem na mesma sociedade. Penso no Eduardo Moscóvis para interpretar meu papel no cinema. 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Diário da balança # 11: = 113

Se você tivesse visto minha barriga ultimamente não convidaria minha fome. 
Alexandre, o graaaaaaaaande.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Notícias populares

"Tensão crescente no leste europeu. Tártaros organizaram uma manifestação contra o uso de força excessiva durante a escovação, limpezas periódicas e os cremes dentais com 12 horas de proteção e efeito antitártaro."
Por Salvador Patranha para o Diário da InVerdade

segunda-feira, 10 de março de 2014

O que aconteceria comigo se...

...eu cantasse em meu carro enquanto estivesse dirigindo.
     É uma bela tarde de domingo. O sol brilha no céu sem nuvens. A avenida está livre, não há trânsito. Abro a janela e sinto o vento refrescante em meu rosto. No rádio toca uma bela canção. Começo a cantar acompanhando a música. De repente uma pena de pássaro entra pela janela e vai direto para minha boca. Sufocando, perco controle da direção e saio da pista.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Cenas da vida - fast-food

   - Deixou a alface acabar de novo Wesley!
   - Você que falou que ia pega lá dentro!
   - Viu a discussão dos dois na nossa frente amor?
   - Um exemplo clássico da deterioração das relações humanas interpessoais, típica dos que não receberam a quantidade ideal de ácidos graxos poliinsaturados dos 0 aos 2 anos de vida, impossibilitando o desenvolvimento cognitivo em seu pleno potencial.
   - Trocando em miúdos: falta de educação mesmo.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Sinal dos tempos

Há alguns anos nos diziam para ler o manual antes de usar um aparelho. Agora pedem quase por favor para ao menos olharmos a sessão início no manual. Daqui a pouco as empresas vão ter que deixar um depoimento com as instruções no mural do consumidor no Facebook. Ou enviar por Whatsapp. 

domingo, 19 de janeiro de 2014

Sobre doenças e peraltice

A mãe de Adolfinho estava muito preocupada com o filho. Achava que ele estava doente. Desde a manhã o menino estava com a urina azul. Não queixou de dor, não ficou mais abatido e achou atraente a ideia de faltar a aula. Ela queria ver de perto se ele iria continuar urinando azul e se ficaria mais adoentado que pela manhã. Entretanto embora mantivesse sua urina azul celeste o garoto não dava outros sinais de estar doente. Controlando seus instintos ela preferiu observar mais um pouco antes de correr para o médico. Mas nem soterrada em Maracujina₢ ela resistiria quando na próxima manhã a urina do seu filho se manteve azul da cor do mar. No consultório foram 40 minutos de um entrevista minuciosa e sem maiores detalhes de como a criança estava com a urina azul e mais 10 minutos de um exame físico que só mostrou alteração nas pequenas gotas azuis na cueca do Batman₢. Como estava bem o médico acalmou a mãe e decidiu observar por mais alguns dias. Ao fechar a porta do consultório notou que suas violetas estavam sem flores e com marcas de dentes nas folhas.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Casa velha, em ruínas

Cópia do manuscrito original
Da distância que estávamos, só era possível distinguir dentre o verde pedaços soltos de telhas já amarelas que pareciam flutuar sobre a vegetação que cercara a casa. Com dificuldade tentamos nos aproximar mais alguns metros, mas as plantas daninhas que ali moravam pareciam ter vida própria e uma vontade de aprisionar com seus galhos e folhas tudo que se aproximasse delas. Tentamos a foice. E a luta foi lenta e árdua, o verde resistindo aos golpes que cortavam sua vida, mas conseguimos. Não havia mais porta: apenas uma placa de madeira inclinada na parede onde estava telhado o nome daquele engenho. Quase não havia parede, só tijolos que ainda sobreviviam mas que, como o resto, cedo virariam pó. A escuridão nos impedia de continuar. Tivemos de quebrar as telhas que ainda estavam penduradas no alto, para que fosse possível a entrada da luz do sol que não brilharia por mais tempo. No chão de madeira as ervas já começavam a surgir. Não havia móveis ou qualquer objeto que indicasse que havido gente morando naquela casa no passado. Nem animais. Só o verde, intruso e vitorioso. Em um dos quartos encontramos livros jogados no chão, uma cadeira, uma mesa e um copo de vidro quebrado. E também um retrato torto, pendurado na parede torta, cheirando a mofo e a pó, a única indicação do passado naquela casa. O resto era ruínas que, por contradição, não lembravam o passado e sim a decadência atual. Começou a escurecer e tivemos de voltar. E o verde, silencioso, seguiu em sua marcha lenta, para cima e para os lados, até fazer o velho engenho morto submergir de vez. 
"Renato Russo"

domingo, 5 de janeiro de 2014

Classificados

Vende-se caixão semi-novo, usado por apenas 4 horas no velório antes da cremação. Tratar com o dono.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Paralelo

Acidente automobilístico, vítima fatal na cena, condutor vítima de traumas múltiplos com fratura de fêmur, pelve e zigomático esquerdo, tatuagem traumática em andar superior do abdome, glasgow 13 ao primeiro atendimento.
Estava tudo bem mas caí em um buraco na estrada. Olho em volta e vejo minha namorada que não me responde. Tento tocá-la mas uma intensa dor na barriga não me deixa mover. Não sei quanto tempo depois chegou alguém me perguntando coisas em uma velocidade muito rápida, não conseguia responder a tudo.
Taquicardia, hipotensão, perfusão inadequada, iniciada infusão de cristalóides. Realizada imobilização em prancha rígida. Feito contato com o HPS para transferir o paciente.
Minha cabeça está leve e sinto a todo momento que estou quase desmaiando. Não consigo mexer mas ao menos dói menos o corpo e a barriga. Alguém falou alguma coisa sobre um hospital.
A admissão manteve quadro hemodinâmico estabilizado após infusão de 2000ml de cristalóides, FAST com liquido livre no abdome, TC de abdome com lesão esplênica grau III e hepática grau IV, TCC com fratura temporal e HSAT leve. Optado por conduta expectante, infusão de concentrado de hemácias, monitorizado com PiA e sonda vesical de demora, aguarda vaga no CTI.
Não sei onde estou, fico tonto olhando as lâmpadas passando na minha frente. Quando finalmente pararam ouvia ao meu lado gemidos e gritos. Conversaram comigo mas não consegui entender bem. Passaram um trem na minha barriga e apertaram, me colocaram em um tubo sufocante e depois me espetaram várias vezes e enfiaram uma borracha ardida em mim. Tento conversar mas ninguém me responde. 
Após admissão no CTI os índices hematimétricos seguem em queda, com necessidade de nova hemotransfusão, infusão de volume e inicio de noradrenalina. Solicitada reavaliação da cirurgia que mantém conduta expectante. Evolui com rebaixamento do sensório sendo realizada intubação orotraqueal em sequência rápida. A despeito da reposição volêmica ocorre acidose metabólica láctica e disfunção de múltiplos órgãos.
Cada vez a sensação de desmaio fica maior, minha mente parece um borrão, não penso direito, a respiração fica mais rápida e pesada. De repente me deitam e vejo apenas os olhos azuis que me olham de cima dentro dos meus olhos. Devagar aquele azul me envolve e me leva.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Desejar ser

"O maior apetite do homem é
desejar ser. Se os olhos vêem
com amor o que não é, tem ser."
                    Padre Antônio Vieira

A opressão do self

Espero que a Karina não tenha esquecido seu lanchinho Foi preparado com amor e carinho Nesse cotidiano cada vez mais mesquinho É preciso um ...