domingo, 10 de fevereiro de 2013

Cenários # 3

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Enquanto manobra o caminhão para descarregar os produtos no armazém Yan não vê no retrovisor a parede se aproximar. Vê seu rosto apreensivo pela culpa. O som dos pneus é quase ensurdecedor.

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No caixa o movimento de passar os produtos pelo leitor de código de barras é hoje executado com maior automatismo que o usual. Embora tenha ido ao trabalho Gilvaneide ainda está com a cabeça no hospital onde sua mãe está internada no CTI. Ela foi acordada no início da madrugada pelo telefone tocando. Uma assistente social com a voz monotônica a avisou que sua mãe estava lá e que ela deveria comparecer assim que possível. 

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No leito onde Joana está acomodada há vários instrumentos médicos, tubos que drenam sangue e ar dos pulmões, cateter na bexiga para medir sua diurese, drenos abdominais, fixadores para o fêmur fraturado, acessos venosos que infundem soro, medicações para manter sua pressão e antibióticos. Não há espaço para ela. É apenas mais uma paciente em choque após um atropelamento.

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Apesar de estar manobrando seu caminhão a uma velocidade muito baixa Yan sente o vento e o suor frio que percorreram seu rosto na noite anterior. A adrenalina correndo nas veias acima da velocidade apontada pelo velocímetro. Ele não percebe que está já bem próximo ao muro.

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A cada novo cliente na fila Gilvaneide sente o pesar da espera. Não pode sair antes do trabalho pois já havia faltado ao serviço duas vezes neste mês para acompanhar seu filho na UPA por causa da asma. O gerente avisou que mais uma falta e seria demitida. O seu salário é a única fonte de renda da casa. Ansiosa, passa rapidamente as compras com vontade de correr ao hospital.


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 Como se flutuasse em gravidade zero em um plano de existência paralelo ao nosso Joana escuta distante as vozes dos profissionais que a assistem. Quase ensurdecedor é o gotejamento do soro que a impede de perceber claramente o que esta a sua volta. Entretanto, gradualmente, o gotejar vai se transformando no ruidoso som da cachoeira que ficava na fazenda onde foi criada. E de repente ela estava lá na beirada do rio com os pés molhados, ouvindo os pássaros, e não prognósticos.

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Yan desceu da cabine do caminhão sem saber o que iria fazer. Em sua distração acabou acertando a traseira do caminhão em um muro e o derrubou quase ferindo um criança que brincava no quintal de sua casa. Ela chorava e seu reflexo foi ir de encontro a ela para confortá-la. Entretanto ao olhar no seu rosto enxergou o rosto da mulher que atropelara e não se conteve. E chorando copiosamente foi consolado pela menina.

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Além da velocidade agora Gilvaneide imprimia também sua raiva ao passar os produtos pelo caixa. Raiva por suas dificuldades financeiras, por ter sido abandonada pelo companheiro quando descobriu estar grávida, pelo emprego que executava sem gostar e que rendia pouco, a asma do filho e finalmente o acidente da mãe. Quando uma cliente começou a retirar itens já cobrados para diminuir a conta ela não aguentou. Sem dizer nada se levantou e saiu do supermercado a caminho do hospital. 

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Joana estava tranquila naquela ambiente familiar. Se sentia segura. Mais que isso, finalmente em paz, depois de muito tempo. A etereidade do vento que sopra no seu rosto, da água refrescante que molha nos seus pés, o cantarolar dos pássaros que a cercam só aumenta. Aos poucos o ambiente vai se tornando saturado de uma luz branca que dificulta a individualização do seu entorno. Já não conseguia nem mesmo perceber onde ela acabava e começa o resto. Fazia parte do todo agora. 
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Um comentário:

A opressão do self

Espero que a Karina não tenha esquecido seu lanchinho Foi preparado com amor e carinho Nesse cotidiano cada vez mais mesquinho É preciso um ...