Nestor estava acostumado a sempre dormir acompanhado. Quando pequeno dividia o quarto com seu irmão e após a adolescência estava sempre com alguma namorada ao ir dormir. Eventualmente acabou se casando com uma delas, compraram uma casa nova e, assim, continuava a dormir acompanhado. Até o dia em que sua esposa recebeu uma proposta de promoção desde que trocasse para o turno noturno no trabalho.
Mesmo com a resistência de Nestor ela acabou aceitando a mudança e as primeiras noites foram diferentes mas sem maiores problemas. O problema mesmo era no final da tarde quando ele, que havia levantado antes de sua esposa voltar, chegava do trabalho e ela estava se aprontando para ir para o serviço. Magoados, ele com o que considerava um abandono por parte da esposa, ela por considerar uma intransigência a atitude do esposo tentando impedi-la de prosseguir em sua carreira, quase não se falaram por uma semana.
Até que ele resolveu surpreendê-la voltando mais cedo para casa com uma garrafa de vinho e flores para fazerem as pazes. Ao chegar em casa ele viu em cima da mesa um bilhete que dizia "Houve um problema no trabalho e tive de ir antes de você chegar". Desapontado abriu a garrafa de vinho e a tomou sozinho. Foi deitar um pouco cambaleante, não estava acostumado com bebidas. Dormiu profundamente até cerca das 3 horas da manhã, quando acordou com a sensação de haver alguém o observando. Olhou pelos cômodos e não tinha nada de diferente. Então voltou a deitar-se.
No dia seguinte, ao chegar do trabalho, encontou o mesmo bilhete em cima da mesa. Furioso saiu para comprar uma garrafa de vinho, esperando dormir bem como na noite anterior havia dormido. Enquanto tomava a bebida, já de volta a sua casa, pegou o bilhete e mergulhou apenas uma ponta na taça com vinho, que por capilaridade, tomou conta do papel tornando-o rubro e dissolvendo a tinta de caneta que continha a mensagem escrita. Ao retirar o papel de dentro da taça achou que a tinta preta agora tinha a forma de uma lágrima. Assumiu que estava bêbado e foi deitar.
Novamente dormiu profundamente até as 3 horas da manhã quando acordou com a mesma sensação da noite anterior. Um pouco mais assustado desta vez, foi pé ante pé vasculhando os cômodos da casa escura. Sem encontrar nada de anormal relaxou um pouco e foi de volta ao quarto. Mas ao se aproximar da cama se assustou com um movimento na parede oposta ao lado aonde dormia. O coração acelerado demorou a bater no ritmo normal mesmo depois de ele perceber que havia se assustado com a sombra da sua cortina que a luz do poste projeta na parede. Deitou-se e dormiu por mais alguns minutos até que sentiu a vívida sensação de que alguém deitava em suas costas como se aninhando a ele. Em um movimento rápido se virou mas novamente nada viu. Não conseguiu dormir.
No terceiro dia Nestor não conseguia se concentrar no trabalho devido aos acontecimentos da noite anterior e pela apreensão gerada por não encontrar sua esposa já há dois dias. Pediu licença ao chefe alegando um mal súbito e foi a casa. Para sua surpresa havia o mesmo bilhete no exato local onde o encontrara por duas vezes. Só que agora a mesa estava posta com vinho servido em duas taças. Bebeu todo o vinho deixando apenas uma das taças intocada. Com o passar das horas a noite mal dormida e o vinho o colocaram para dormir ali mesmo no chão da sala. Quando acordou era quase meia noite. Se levantou para ir deitar-se na cama quando viu as duas taças vazias na mesa.
Acordou novamente as 3 horas da madrugada sentindo um corpo deitar-se ao seu lado. Abriu os olhos mas não se virou. Aguardou alguns segundos imóvel, provavelmente mais por não conseguir se mover do que por opção. Juntou suas forças e se virou. Viu apenas o bilhete embebido em vinho no travesseiro da esposa. Confuso voltou-se para o lado que estava anteriormente e viu sua esposa deitada de frente para ele. A pele pálida e fria parecia não ter expressão até que um sorriso malicioso surgiu e um grito lancinante foi ouvido na vizinhança.
Alguns anos se passaram desde o desaparecimento do casal e algumas pessoas dizem por vezes sentir que existe alguém a observá-las enquanto dormem sozinhas.
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