domingo, 25 de abril de 2010

Carta ao meu futuro

Querida filha,

     Já faz algum tempo que penso em você. Todos os dias. Acreditava, até pouco tempo atrás, no fim próximo da minha contagem regressiva para te encontrar. Mas alguns obstáculos me fizeram tomar um percurso com mais meandros, uma caminhada mais lenta. Uma trilha que me distancia de você, ao menos por enquanto. Bem, as coisas são assim. Só depois de perder a gente percebe que a vida é um jogo que não acaba em empate. Há os desgastes da prorrogação e, se necessário, cobrança de pênaltis até que surja um vencedor(?). De qualquer maneira, não se preocupe. Em algum tempo nos veremos, tenha calma. E com a caixa deste jogo nas mãos escreveremos as regras para que não nos distanciemos mais.

     Um beijo de seu futuro pai,

Belo Horizonte, 25 de abril de 2010.

sábado, 24 de abril de 2010

Marcas

Vários são os sinais que nos marcam. Podem estar na pele, como a cicatriz no joelho de quando você caiu jogando bola na rua aos 10 anos, uma mancha que o distingua ou linhas do tempo, próximas aos olhos. Podem estar mais fundas, onde não se vê, apenas sente.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Tempo, tempo, mano velho

O Big Bang ocorreu há 13,7 bilhões de anos. No caldo primordial, há 4 bilhões de anos, surgiu a primeira célula. Até que os organismos multicelulares surgissem se passaram mais 3,5 bilhões de anos. Os dinossauros iniciaram seu império há 245 milhões de anos. Ele acabou já fazem 65 milhões de anos. O Ardipithecus ramidus, o primeiro homem, existiu há 4,4 milhões de anos, na Etiópia. A agricultura nasceu há 12 mil anos. Cristo foi crucificado 1977 anos atrás. As grandes navegações se iniciaram há cerca de 1000 anos, e a América descoberta 492 anos após. Revolução industrial no século XVIII. Nove meses de gestação. Um ano até aprender andar e falar. Cinco anos até o primeiro namoradinho. Sete anos até a primeira conquista na escola, 18 anos até passar no vestibular. Vários anos de faculdade. A vida inteira pela frente. E você continua esperando o quê?

terça-feira, 20 de abril de 2010

Prelúdio

Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade
                                                    Raul Seixas

domingo, 18 de abril de 2010

Figuras

Já faz muito tempo mas me lembro da sensação como se a estivesse sentindo agora. A triste melancolia do fim. A certeza de que os bons momentos vividos agora só poderiam ser lembrados. A desesperança a cada nova tentativa de recomeço predestinada ao fracasso. O vazio dos dias na sua ausência. A dúvida sobre o amanhã melhor e sua angustiante espera. Até que ontem vi você na banca da esquina. Fui até você, te abordei, agora estamos juntos após uma tarde inteira de (re)conhecimento. Você voltou pra mim. Ao menos pelos próximos dois meses que nos distanciam - cada vez menos - do fim inevitável.  Comecei meu álbum da Copa 2010.

sábado, 17 de abril de 2010

...

 
Toda vez que toca o telefone
Eu penso que é você
Toda noite de insônia
Eu penso em te escrever
Pra dizer que o teu silêncio me agride
E não me agrada ser um calendário do ano passado
Prá dizer que teu crime me cansa
E não compensa entrar na dança
Depois que a música parou
                                   Humberto Gessinger

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Meu bolso esquerdo

Meu bolso esquerdo é como um turbilhão. Nele se acha de tudo. O cuidado de hoje da mãe que se descuidou antes e o bebê nasceu prematuro. A mancha branca na Sansonite por esperar o ônibus encostado no muro. O sentimento de dever cumprido depois daquela conversa. A lembrança que logo outra virá. O bafo do Leão que saliva ao ver minha primeira gordurinha acumulada. A direção de hoje. O mapa de meus passos ontem. As promessas que devem ser lembradas. O agradecimento de quem se desesperou e melhorou. Até Crouzon e papel de bombom. Nele se acha de tudo. Meu bolso esquerdo sou eu.

domingo, 11 de abril de 2010

Na pista

Tão chato!
Fato de não te ter
Não tentar, não saber nada
Ou quase nada de você
Ainda sigo ativo e grito
Digo: “help”, me ajuda aqui!
Mesmo em meu sabor antigo
Talvez eu possa te divertir...

Não fique
A se isolar de mim
Não me deixe assim
Tão só na pista
Se ainda souber
Como dizer sim
Reconstrua
Seus pontos de vista...

Sonho que você
Também se repita
E me sirva sem culpa
Teu doce sabor!
Que eu possa ser eu
Sem te ver aflita
Seja você que insista
Em ser meu amor...
 

Herbert Vianna


sábado, 10 de abril de 2010

Biblioteca

Era só  mais um dia normal
vamos fazer tudo sempre igual
quando olhei vi você em um canto
encolhido fazendo cara de santo
dívidas, música, política externa
aquela tarde tinha que ser eterna
eu não sei o que vai rolar
ainda é cedo o show vai começar
 
Daí pra frente sempre foi surreal
uma amizade capa de jornal
falar bobagens sentados em um banco
com pés de ferro todo pintado de branco
tropeços, risos, doadores de esperma
pare de olhar para minha perna
eu não sei me controlar
é melhor então me levantar
 
As coisas fluem de forma natural
o que importa é agora e não o final
você calado, sempre falo tanto
e quando fala você nem é franco
eu e você, sempre uma baderna
sozinhos no escuro e sem lanterna
eu não sei onde isso vai dar
vou relaxar e me deixar levar 

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Um amor que vai

Um amor que vai começar traz consigo a excitação do desconhecido. Nenhum amor pode ser igual ao outro. Um amor que vai explodir em êxtase tem toda a energia acumuldada em nossos sentimentos. Nenhuma amor pode ser reprimido. Um amor que vai amadurecendo cria a paz em quem (se) ama. Nenhum amor pode ser um Big Bang para sempre. Um amor que vai acabar lentamente separa seus amantes. Nenhum amor pode resistir à distância (geográfica ou não). Um amor que vai ser vivido platonicamente satisfaz e ilude a quem solitário ama. Nenhum amor pode viver sozinho. Um amor que vai abre caminho para outro chegar.

sábado, 3 de abril de 2010

O que eu desejo pra você

Desejo que ao acordar seus olhos se abram para o mundo. Que o sol ilumine suas possibilidades. Que o sabor do pão possa ser apreciado com calma e em sua totalidade. Que a música divirta. Que o filme entretenha. Que o livro enobreça. Que o trabalho identifique e complemente. Que nos amigos encontre divertimento. Que na família encontre companhia e amor. Que você encontre a paz onde quer que seja. Que a noite venha com sabedoria. Que quando deitar você durma tranqüila. Desejo que você deseje o que quiser. Que sempre haja impulso. Apenas deseje.

Crepúsculo(s)

Amanheceu

Acordo antes da hora
Lembro quando você foi embora
Navego em busca de uma notícia sua
Deixo, então, que a saudade flua
 
Entardeceu 

Enquanto o céu se cora
Passo em frente de onde você mora
Olhando só o nascer da lua
Pensamento, como um avião, flutua
 
Anoiteceu 
(Postado originalmente em 02/04/2010)

Jelly worms and sour fruit rings for you

Jelly worms, jelly worms
Why can’t you be eat?
Jelly worms, jelly worms
It’s not your fault.
 
They ate you in the bed
Belly, navel, fingers and breast
You help them to be whole
Now they broke up and you left over
 
Jelly worms, jelly worms
Why can’t you be eat?
Jelly worms, jelly worms
It’s not your fault.

              (Postado originalmente em 01/04/2010)

Sobre amadores e coelhos

     Hélio tinha um problema: suas filhas, Clara de sete anos, e Isabela de cinco, andavam muito tristes após a morte da mãe há um ano. Terminado o enterro, sem conseguir lidar com a reação das crianças, viajaram por dois meses para a cidade natal de Hélio, na tentativa de buscar apoio de sua família. Ao voltarem para casa, as meninas ainda estavam abaladas e ele tentou de tudo o que conseguiu pensar – passou a trabalhar em meio horário, pintou a casa com desenhos nas paredes, comprou diversos brinquedos, aula de natação, clube novo, contratou Conceição, uma empregada com excelentes dotes culinários, mas o resultado foi pequeno, quase nulo.
     Aproximando-se da época da páscoa uma nova idéia surgiu. Comprar dois coelhos e deixá-los junto aos ovos de páscoa, simulando “coelhinhos da páscoa”. Foi até uma loja de animais e escolheu dois que pareciam mais saudáveis.
     - É um casal? – perguntou ao vendedor, que levantou os animais acima do rosto com uma destreza de quem define o sexo de coelhos há anos.
     - São duas fêmeas.
     No dia D, a felicidade das filhas causou até vertigens em Hélio. Elas passaram o dia cantando músicas de páscoa e carregando os coelhos de um lado para o outro. Não mencionaram a mãe nem quando o pai as cobriu a noite. Satisfeito, Hélio dormiu como não dormia desde a doença da esposa.
     O tempo passou e suas filhas agora aproveitavam mais as mudanças instituídas pelo pai. Estavam sempre no clube aos finais de semana, definiam menus para o almoço e pediram para desenhar elas mesmas em uma parede do quarto dos fundos. Hélio estava mais tranqüilo agora. E tranqüilo dormia quando foi surpreendido por Isabela gritando:
     - Papai, papai! O coelhinho da páscoa ta com dor de barriga!
     Ele se levantou e foi colocar em prática seu antigo sonho, a veterinária. Quando chegou até o cercado dos coelhos seu sonho se transformou em pesadelo. Três filhotes já haviam nascido e pelo diâmetro da barriga da coelha, ainda viriam muitos. Pensamentos um tanto sádicos envolvendo certo vendedor invadiram sua mente, mas ele agora tinha outras preocupações. Como se desfazer dos novos integrantes da família sem magoar as filhas.
     Reuniu as crianças depois de findo o trabalho de parto, agora proprietário de doze coelhos, e disse:
     - Os coelhinhos da páscoa têm filhotinhos. Eles vão crescer e um dia vão ir embora entregar ovos de páscoa para outras crianças.
     A reação foi boa, e ele tratou de tentar doar os filhotes. Tarefa ingrata. Se fossem filhotes de Gremlins talvez fosse mais fácil. Como última (e desesperada) medida, recorreu ao vendedor:
     - As duas fêmeas tiveram filhotes, e eu não tenho o que fazer com eles. Você podia ficar com eles aqui para vender – disse, mastigando o fígado e o engolindo de raiva, para conseguir sorrir.
     - Infelizmente não posso, meus animais vem sempre de criadouros selecionados – e devolveu o sorriso.
     - Mas o que eu vou fazer com os coelhos?
     - Venda para um açougue. Carne de coelho é uma delícia.
     Hélio voltou a ter problemas para dormir. Não queria enganar suas filhas dessa maneira tão cruel. Enquanto se decidia a segunda geração de coelhinhos da páscoa crescia. E antes que se desse conta a terceira geração batia à porta. Agora com cerca de sessenta coelhos a sugestão do vendedor não parecia tão nazista quanto quando a escutou. Procurou um açougue e fechou negócio. Ao nascimento da quarta geração iniciou um negócio lucrativo. Outros açougues o procuraram e ele fechou seu escritório para dar conta da demanda. E o sono voltou.
     O tempo passou e no próximo setembro Hélio foi interrogado por Clara:
     - Pai, se a páscoa é no início do ano, por que os coelhos têm que ir entregar os ovos agora?
     - Porque, eh, tem alguns coelhos que vão para lugares longe daqui, e para chegar na páscoa tem que sair agora – respondeu banhado em suor.
     Sua resposta pareceu satisfazer sua filha e ele passou a ter mais cuidado com o que dizia para evitar futuros questionamentos.
     Com a chegada da crise, os açougues reduziram seus pedidos, o dinheiro começou a minguar, e a produção ficou entalada em seu quintal. Foi quando teve a idéia de usar os coelhos como fonte de carne para casa, aproveitando o recurso que tinha para economizar. Era uma idéia ousada. Se as meninas desconfiassem do gosto e perguntassem sobre a procedência da carne, ele seria capaz de mentir? Foi.
     - Um coelhinho da páscoa não agüentou o peso dos ovos de páscoa e morreu – já com a calma de um profissional.
     - Tudo bem papai, a gente come coelhinho cansado todo dia que a Conceição faz – disse Clara, mostrando a seu pai que ele ainda era um reles amador.
(Postado originalmente em 31/03/2010)

O buraco

Tinha um buraco no meio do caminho. No meio do caminho tinha um buraco. Antes de me deparar com ele achava que obstáculos eram as pedras que se agigantavam encolhendo nossa passagem. Hoje temo mais os buracos que sorrateiros nos esperam, por vezes até camuflados com um pouco d’água. Nunca me esquecerei deste acontecimento na vida de minhas botinas tão castigadas. Enquanto as pedras se exibem permitindo que passemos a largo, os buracos nos surpreendem quando nos vemos já dentro deles.
(Postado originalmente em 12/03/2010)

381

Não vou me deixar embrutecer
Eu acredito nos meus ideais
Podem até maltratar meu coração
Que meu espírito ninguém vai conseguir quebrar 

Renato Russo
(Postado originalmente em 06/03/2010)

Corrente


(Postado originalmente em 15/02/2010)

Correr: verbo [no] presente

Corro. Não para onde, mas de onde. De que. De quem. Corro. Mais do que a potência. Mais do que a prudência. Corro. Para conseguir escapar do sufoco. Mas o ar é tanto que sufoca. Corro. Mas ao invés de correr para chegar, corro pra encontrar aonde ir.
(Postado originalmente em 12/02/2010)

Vida might

A gente se acostuma com tudo
A tudo a gente se habitua
E até não ter quem amar
De sentimento, nua
Para a vida me acho crua
 
Me habituei ao “não might”
À vida sem gás
Do meu café tiro todo açúcar
E até ficar sem o ter
Sem te ver
A gente custa mas se habitua
 
Se eu quis, sem mágoa
Sem paz, se eu… nada
 
Eu vou ser indiferente
Ao amor que você me oferende
Se mexer no meu modelo de mundo
Eu vou fugir
De volta ao meu esboço recluso
 
Me acostumei sem querer
Ao projeto cauto
Salário é baixo, a vida é dura
E gostar mais de você
É como ofender
Minha previsão de vida futura
 
Se eu quis, sem mágoa
Sem paz, se eu… nada
 
Não vai ser diferente
Do que eu já tinha em mente
Se o véu cai, fica imundo
Eu o deixo ruir
E sigo meu plano pro mundo. 
(Postado originalmente em 07/02/2010)

Mateus 13 - Versão atual (versículos 1 a 7)

Caminho sob o sol. O ambiente é desfavorável e, entretanto, a vida teima em respirar mais uma vez. Tento aliviar o fardo, facilitar sua progressão. Mas os vários anos de contato com acidez acabam por cobrar seu preço. Desanimo, não desisto. Persisto. Até minha caminhada ser interrompida por uma ameaça.
(Postado originalmente em 06/02/2010)

Sonhos

Veja como é a vida, repleta de ironia
você sempre teve medo da minha saída
mas fui que eu encontrei a casa vazia
Olho pra lá, você não está
saiu para buscar os seus planos, realizar
e deixou os nossos sonhos pairando no ar
 
Mas não tem revolta, não
Eu só quero que você se encontre
Ter saudade até que é bom
É melhor que caminhar vazio
A esperança é um dom
Que eu tenho em mim 
Peninha 
(Postado originalmente em 31/01/2010)

Bifurcação


(Postado originalmente em 30/01/2010)

Como tudo na vida


(Postado originalmente em 24/01/2010)

Travessia - translúcida/névoa

Era clara, fluida, cristalina 
Não havia sinal de decantação
E sem que notasse sua tranformação
De repente fez-se neblina 

(Postado originalmente em 17/01/2010)

Vai passar

Aos iluminados pelas idéias de Rousseau
Cerceados pelo totalitarismo que restou
Vai passar, a liberdade não pode parar

Aos pacifistas seguidores de Gandhi
Reticentes quanto a doar o próprio sangue
Vai passar, a desobediência civil não pode parar

Aos que se inspiraram com as telas de Frida Khalo
Vendo da verdade apenas o que restou no talo
Vai passar, a arte não pode parar

Aos  que conseguiram consolo com Madre Theresa
Desorientados em seu luto e tristeza
Vai passar,  a caridade não pode parar

Aos que amaram ao som de Vinícius de Morais
Ensurdecidos pelos “poetas” atuais
Vai passar, a música não pode parar

Aos que sofreram (e sofrem) por desilusão
Recolhendo pedaços de sonhos no chão
Vai passar, o amor não pode parar 
(Postado originalmente em 03/01/2010)

Feliz ano velho

"…as ossadas encontradas pela equipe liderada pelo paleontropólogo americano Tim White, da Universidade da Califórnia, mostram que o primeiro Homo sapiens se parecia muito conosco. “Ele andava como nós, alimentava-se e agia de forma muito semelhante. Nós mudamos muito pouco nos últimos 160 mil anos.”  
Revista Superinteressante

"Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais"
 Belchior

É chegado o dia que se repete todos os anos. Nos despedimos do ano que passou, suas alegrias e frustrações e planejamos (ou desejamos) um ano melhor no que está por vir. É apenas mais um dos aspectos cíclicos da vida. O ano começa e se apresenta com intensas e maravilhosas oportunidades. Há excitação, eletricidade. E nos apaixonamos pela possibilidades. No começo somos firmes e determinados, vamos em busca do ideal. Então os meandros da vida começam a causar impaciência. E a(s) famosa(s) pedra(s) do caminho minam a resistência. Pouco a pouco o ideal perde seu brilho inicial. Planos idealizados e não completados anteriormente começam a parecer mais atraentes - a segurança do conhecido, do caminho trilhado, mesmo que em direção ao precipício, pode ser reconfortante. E acabamos por chegar no último dia do ano com poucas mudanças reais em relação há 365 dias atrás, no início da paixão perdida ao longo do ano. Para então desejarmos tudo de novo.
(Postado originalmente em 31/12/2009)

Perplexo

Imagine: Uma massa fofa, bem cozida, com a borda levemente tostada. O queijo borbulhante aguardando ser fisgado para dar origem a uma grande linha cremosa. Presunto rosado acompanhado por cebola. E um ABACAXI com CEREJAS!!!!!!!!!!!!! Sozinhos, afundando em queijo derretido, sem entender o que está se passando. Que salada de frutas estranha, onde estarão as outras frutas? E o que dizer das pizzas com brigadeiro ou doce de leite?!?! Um dos pratos mais tradicionais em todo o mundo, mutilado. A sublime arte de acrescentar à massa queijo e outros condimentos cedeu aos caprichos de pessoas que clamam por ser Deus, dando a luz a criações subversivas que habitavam suas mentes perversas. Exemplos como estes tem se multiplicado em uma sociedade que distorce a tolerância e a busca por prazer a qualquer custo, montando seus pequenos Frankensteins e fugindo da ordem natural das coisas. Sei que provavelmente serei rotulado de reacionário, preconceituoso ou atrasado. Temo pelo futuro da humanidade.
(Postado originalmente em 06/09/2009)

É de pequeno que se torce o pepino?

     Boblites nasceu em uma grande família da horta. Seu pai, Seu Berinjela, era conhecido por todos os legumes e verduras daquelas bandas. Sua mãe, Dona Cenoura, não conteve as lágrimas enquanto via sua filha se esparramando pelo chão. #É uma linda batatinha, Bê!
     Durante sua infância Boblites por vezes se sentia deixada de lado pelos outros leguminhos. Eles faziam dela uma batata quente, sempre passando de um para o outro. Ela se voltou então para sua instrução, tentando decidir o que fazer no futuro. Seria uma bela batata recheada, com ingredientes finos? Belas fritas, sem gordura escorrendo, sequinhas e firmes? Ou um purê acompanhado por molho de ervas e filé mignon? As opções eram muitas e ela queria escolher a melhor, mais vistosa. A Pi Malagueta e a Couve Flor iriam ficar de folha caída.
     Quando já estava do tamanho certo para a colheita, ao se despedir de seus pais disse #Vocês terão orgulho do meu prato! E foi colhida junto com outros legumes para ser preparada. Enquanto era lavada visualizava o prato com adornos de hortelã e detalhes feitos com o molho branco. E qual não foi sua surpresa quando foi picada e cozida em uma água sem nenhum tempero. Ao ser retirada da panela, temerosa pelo futuro, se viu colocada em um prato de alumínio com alguns amassados na borda, sobre uma farofa seca que a cutucava. E desolada estava até que sentou na sua frente um menino franzino de uns três anos. E ao ver seu sorriso com a colher na mão ela soube que tinha alcançado seu objetivo.
(Postado originalmente em 29/08/2009)

O eco do silêncio

Ao entrar, sentiu o cheiro peculiar do apartamento. Não era novo para ela e veio com recordações juvenis. As coisas cheiram do que guardamos delas. E como não foi recebida pela dona da casa, sentou-se no sofá cansado pelo esperar o calor de uma companhia. À janela, olhando para (ou através) da cortina viu sua mãe. Já iam anos desde o último encontro, e a visão do corpo já debilitado pelo passar do tempo a balançou. Será que o afastamento não poderia ter sido evitado? A dúvida durou o tempo de uma respiração. # O que quer? # Vê-la. # Pois então. # Pois então o que? # Viu e continua aí. # Venho passando um momento ruim. Muitos pesadelos. E os piores depois de acordar, pois não posso fugir acordando. # E o que espera de mim? # Nada. Esperava de mim. Sempre tentei calar o estalo de algo que quebrou há muito tempo. Acreditava que boa parte de meus problemas vinham dele. # Então? # Agora vejo que vem do silêncio que fiz em mim. Ao se levantar não olhou para trás. Veria o que sempre viu, o rosto de lado. Saiu pela porta que já havia cruzado inumeras vezes, mas que só agora fechava.
(Postado originalmente em 18/04/2009)

Aqui, em outro lugar

Tudo que o define, o que gosta, o que não gosta, como pensa, o que sente, seus desejos e vontades, medos e angústias, seu cheiro e calor, tudo isso evapora bem diante dos olhos de seu filho. Agora, na minha frente, nada mais está presente. Para onde será que vão as coisas que nos definem aqui? Haverá um outro lugar para elas?
(Postado originalmente em 26/03/2009)

1.8

Dentro do meu carro
A estabilidade
Me faz acreditar
Que está tudo bem
Tudo em seu lugar

                 Pato fu
(Postado originalmente em 25/03/2009)


As voltas da vida

“Mas quem não tem ABC não pode entender HIV, 
  nem cobrir, evitar ou ferver”
                                                      Herbet Vianna

Escrevo em um papel orientações que não serão lidas, e as explico mostrando os números, esperando que algum tipo de linguagem escrita tenha sido absorvida em tantos anos de vida. Não tantos quanto a pele e o rosto nos tentam dizer, mas muitos para que ainda não se consiga entender. Esperar que conceitos abstratos como “de 8/8 horas” ou “se necessário” sejam compreendidos beira a chacota. É quando pego a ficha e leio, no lugar da assinatura, várias voltas, enoveladas, que se iniciam em um ponto, caminham por toda a vida e vão morrer bem ao lado de seu nascimento. Quando não se compreende as pequenas voltas da vida, leva-se a vida a dar voltas e nunca chegar.



(Postado originalmente em 18/03/2009)

Vida em estado líquido/gasoso

Aos poucos vou perdendo minha massa pelos poros, ela não se torna luz, aqui não se aplica E=mc2. Não saímos do lugar,  lentamente escorremos pela cadeira, até que, no fim, só reste nossas roupas no chão, como uma prova de nossa antiga existência.
(Postado originalmente em 13/03/2009)

Festa

Observo a casa escura, sem movimento. Sozinho, de pé na porta da sala, sinto uma falta, algo que não sei explicar, mas talvez não seja preciso, por ser tão comum e familiar. Avanço no escuro e resfrio o corpo com a água fria, por fora e por dentro. Então me reconforto no meu amor por você, pedaço seu que cresce em mim, como plantas em um jardim, e que se fortalece a cada dia. E começo a festa.
(Postado originalmente em 07/03/2009)

84 horas

Gripe, diarréia, vômitos, gripe, diarréia vômitos, dor de garganta, gripe, diarréia, vômitos, gripe, diarréia vômitos, infecção de urina, almoço sem gosto, gripe, diarréia, vômitos, gripe, diarréia vômitos, dor de garganta, gripe, diarréia, vômitos, gripe, diarréia vômitos, infecção de urina, janta sem gosto, vai dar pra parar, lá em vem a parada, parada 140km por hora, gripe, diarréia, vômitos, gripe, diarréia vômitos, dor de garganta, gripe, diarréia, vômitos, gripe, diarréia vômitos, infecção de urina, almoço sem gosto, gripe, diarréia, vômitos, gripe, diarréia vômitos, dor de garganta, gripe, diarréia, vômitos, gripe, diarréia vômitos, infecção de urina, falta de ar, faltadear, faltadearfaltadear, faltardearfaltadearfaltadearfaltadear, na veia do velho, e o ar voltou, e voltou com o cheiro de terra molhada.
(Postado originalmente em 25/02/2009)

Vestibulando

Não teve tempo de falar nada. Quando ouviu o barulho do aparelho sendo desconectado do gancho, inspirou fundo para se apresentar mas antes de dizer qualquer coisa o som rude da tranca do portão se abrindo a assustou. Entrou e, ao subir as escadas, o cheiro do passado a invadiu. E quase como um soco a fez tontear, a mão procurando apoio na parede. Visão embaçada, coração disparado, em galope, uma dormência nos dedos e a falta de ar, ah, a falta de ar…Ouviu o ranger da porta no andar acima de onde estava e viu o feixe luz fraca e amarela que vinha de dentro do apartamento atingir seu rosto.
(Postado originalmente em 13/02/2009)

Eclipse

Mais uma vez. Não sei qual a causa do espanto. Aconteceu o esperado. Mas essa mania de querer acaba nublando a visão, indo de claro a turvo sem que se perceba. Desta vez eu aprendo. É preciso ser forte quando se é frágil.
(Postado originalmente em 21/01/2009)

Travessia


(Postado originalmente em 11/01/2009)

Dragões e moinhos de vento

Hoje saí para caminhar. No caminho de volta, após ter andado bastante, passei por uma mangueira. Havia, na árvore, alguns frutos que resistiram ao assédio inicial das crianças da vizinhança. Algum tempo atrás teria subido na árvore para pegar algumas mangas. Mesmo sem fome. Mesmo estando cansado. Faria apenas para confirmar que conseguiria - apesar de talvez não conseguir. Mas hoje não subi no pé de manga. Quem sabe amanhã? Já tenho idade para escolher meus desafios e quando enfrentá-los.
(Postado originalmente em 09/01/2009)

A terceira margem do rio


(Postado originalmente em 24/12/2008)

O edifício

Finalmente havia chegado ao seu destino. Demorou muito mais do que o habitual uma vez que seus passos vacilavam devido ao medo e a ansiedade. Do portão de entrada do condomínio observou a estrutura do prédio. Era uma construção antiga, com cerca de 30 anos de existência. Não trazia consigo nenhum aspecto de vaidade. A fachada cinza não possuía adornos ou lajotas. Era apenas uma caixa de concreto dividada em 4 andares com 4 apartamentos em cada andar. A tinta do portão estava muito descascada e pontos de ferrugem surgiam por todo lado. O que teria sido um jardim outrora era apenas um punhado de terra seca e dura, sem condição de abrigar qualquer planta. Olhou para os botões do interfone e hesitou. Quis dar meia volta mas não o fez. Pressionou o botão e aguardou a resposta.
(Postado originalmente em 21/12/2008)

Linhas tortas


(Postado originalmente em 20/12/2008)

Chuva

Caminho pela chuva e, aos poucos, o incômodo dos pingos frios se torna uma sensação de leveza que me transporta pelo ar através de caminhos etéreos a lugares desconhecidos por mim.
(Postado originalmente em 19/12/2008)

Matadouro

Demorou para sair de casa. Apesar do medo de continuar lá, ao menos estava em território conhecido. Agora, andando pelas ruas, ela se sente em um outro país, observada, sem saber se comportar, sem perspectiva. Quer correr, gritar, mas não consegue. Apenas observa o cerco fechando ao seu redor. A estática é uma força poderosa.
(Postado originalmente em 08/12/2008)

O pé de barro

- Oi, como você está?
- Bem, e você?
- Meio dolorido…
- O que aconteceu?
- Estava pensando como sou um bom profissional, responsável, competente.
- Han…
- E como trato bem as pessoas, principalmente minha mãe, parentes, amigos e idosos.
- Han…?
- Minha mulher então, não tem do que reclamar. Sempre presente, atencioso, carinhoso.
- Han…?!
- Então eu caí.
- Han?!?!?!
- Caí… na real. Ninguém é tudo isso e sabe.
(Postado originalmente em 01/12/2008)

Fronteira


(Postado originalmente em 30/11/2008)

Canção para o meu ninar

É estranho. Sinto sua falta sem te conhecer. É uma daquelas mudanças definidoras de épocas da vida. Quero falar o quanto espero você antes que seus olhos se abram. Sentir o toque macio e quente de sua pele em meu dedo. As sonecas e bocejos diurnos e noites acordados vendo o silêncio das ondas de luz. As canções e (his)estórias. O cheiro de morango de seu chinelo. O bate-papo em onomatopéias. Caminhar juntos em direção ao desconhecido.
(Postado originalmente em 29/11/2008)

O que restou

Faz um tempo que pouco sobrou no dia-a-dia. O cheiro de Kouros. A teimosia. O gosto pela leitura. As flores e os anjos. O CD do Chico Buarque. Abrir o portão. Introspecção.
(Postado originalmente em16/10/2008)

Azaroleira

Um dia, sentado na varanda de uma casa onde morei, estava olhando um pé de acerola carregado no quintal. O vermelho vivo das frutas contrastava com o verde das pequenas folhas. Ele estava entre o muro e um caminho feito com pedras ligando a varanda ao portão. Depois de um tempo reparei um detalhe que havia “passado” todas as vezes que entrava ou saía de casa. Todas as acerolas da árvore se encontravam na metade mais próxima ao caminho, como se sendo oferecidas a quem passasse.
(Postado originalmente em 28/09/2008)

Presente by futuro do pretérito

     - Como vou saber o quanto importo para você? O que você diz é diferente do que eu sinto e também não é igual ao que eu percebo. Será que se eu somar tudo e dividir por três vou descobrir quanto é? Ou vai ser só mais uma simplificação? Seria mais fácil se houvesse um aparelho medidor de importância, o importômetro, funcionando como os medidores de radiação. Mas ele não existe. E se eu pedisse provas, te submetesse aos meus caprichos, até onde você iria? Vamos assistir a um musical? Me dê seu… qualquer-coisa-muito-importante-para-você-que-não-significa-nada-pra-mim? Não vá (ou vá)? Se eu pedisse algo imposssível, doloroso e fútil, só para medir o quanto você gosta de mim, você faria? Você me deixaria se eu pedisse?   
     - Sim, mas espero que você não peça.
(Postado originalmente em 04/09/2008)

Antes de acordar

Ela acordou assustada. Era a segunda vez que tinha o mesmo sonho naquela semana. Perseguições e agressões vinham sendo o tema de suas noites há muito tempo. O tratamento com remédios e terapia não reduziram as noites intranqüilas. Já não se recordava bem como era sem usar a medicação. Recitou a oração ensinada por sua mãe na tentativa de se acalmar, mas é difícil mandar os fantasmas embora quando é você quem se assombra. Passou o resto da madrugada acordada encolhida na cama com as costas contra a parede. E assim viu nascer o dia.
(Postado originalmente em 15/08/2008)

Só Freund explica?

“A não superação do complexo de Édipo fez com que você se tornasse dependente emocionalmente de sua mãe e nutrisse um sentimento negativo quanto ao seu pai…”

“O fato de eles não comparecerem ao seu jogo causou esse sentimento de
abandono…”

“Se não houvesse acontecido…”
Engraçada essa sensação de que não somos responsáveis pelo modo como somos. Aliás, pelas características negativas que apresentamos em um certo período da vida - período esse que pode ser toda a vida responsável, imputável. Não nego a importância dos acontecimentos da infância, da criação. Ou dos desbalanços dos neurotransmissores. Apenas acredito na possibilidade de mudança de padrões de comportamento não adaptados por meio da vontade de uma pessoa. Mesmo que essa vontade se exteriorize como a busca por apoio. Ou quero acreditar. Estou com vontade de me responsabilizar pela minha vida, o bom e o ruim. Quero minha vida pra mim.
(Postado originalmente em 09/08/2008)

Corrida de obstáculos

Corredores lotados. Em alguns é impossível ficar de pé ao lado de alguém para conversar sem ser empurrado ou esbarrado. Gritos. Um odor indescritível. Pessoas perdidas. Desorientadas. Súplicas. Buscam os olhos de alguém que possa lhes dar um pouco de esperança, um alívio. Evasivas. Quando se entra nas dependências destinadas a eles o tumulto não é menor. Enquanto isso uniformes passam apressados por todos. Alguns ocupados. Outros com medo. A maioria visando o oásis resguardado  nessa edificação. Enfermarias de um país em guerra? Hospitais de Bagdá ou Israel após a explosão de um carro bomba? Não, apenas uma segunda feira em um hospital de Belo Horizonte.
(Postado originalmente em 27/07/2008)

A busca pelo superávit primário

As imagens são belas, em algumas vezes até comoventes. Os filhos pequenos entregando aos pais um presente torto feito à mão. Amigos se despedindo em um aeroporto. O pôr do sol e o amanhecer. O passar do tempo. Frases nos lembrando o quanto amamos pessoas que para nós são valiosas. Dizem para não esperar, a vida é agora! Bonito demais para um anúncio de banco.
(Postado originalmente em 07/08/2008)

"..."

Poucas palavras. Às vezes nenhuma. Não que os gestos sejam tão claros. Dubiedade? Não no que sinto.
(Postado originalmente em 06/07/2008)

A opressão do self

Espero que a Karina não tenha esquecido seu lanchinho Foi preparado com amor e carinho Nesse cotidiano cada vez mais mesquinho É preciso um ...